Acabei de fazer o primeiro conto do ano, mal posso acreditar. Acho que esse ano será cheio de criações
Madame Zelic era uma senhora
elegante que vivia em um belo casarão, afastada do mundo. Proibia que qualquer
coisa que fosse “indecente” passasse por suas portas. Com ela vivia sua equipe
de empregados: volantes, camareiras, cozinheiras, tudo que ela precisasse para
não trabalhar nada. Aos fins de semana e durante as férias, seus filhos iam lhe
visitar e deixavam suas crianças (os cinco netos de madame Zelic). Fazia quinze
anos que morava sem ninguém da família. Ia à igreja todo domingo e doava
dinheiro ao orfanato mais próximo.
Foi numa ensolarada tarde de quinta
feira (durante sua caminhada semanal) que veio em sua direção uma moça
correndo. Era baixa e gorducha, suas roupas estavam rasgadas, as unhas do pé
grandes e sujas de terra, faltavam lhe também uns dois ou três dentes.
– Madame – começou ofegante – falaram pra mim
que senhora tá precisando de uma pessoa pra ajudar na cozinhas.
– Ora – replicou a senhora fazendo uma careta –
há de haver um engano. Não vejo necessidade alguma de novas empregadas. Se me
dá licença, vou seguindo com minha caminhadas.
Tentou seguir novamente seu caminho,
mas novamente a moça voltou a lhe seguir
– Mas Dona – ela falou ansiosa – eu ‘tou
precisando muito. Meu filho e eu não tem o que comer mais, ‘tou sem emprego há
meses, meu marido me largou, me chamou de vagabunda.
Impaciente, Madame Zelic andou mais
depressa.
– Por favor, me escuta – a moça suplicou, com
lágrimas nos olhos – sei que a senhora ‘credita em Deus, imagina só, o que ele
vai achar da senhora não ajudar quem precisa.
Na segunda feira a moça e seu filho
se mudaram para a bela propriedade que pertencia aos Zelic já há muitos anos.
A madame seguiu muitos dias sem
responder aos humildes “bom dia” de sua nova empregada. “Já lhe dei o emprego
depois de sua descarada chantagem e agora ainda espera sorrisos e trocas de
simpatia”, pensava. Até que um dia a moça se enraiveceu.
– Por que a senhora insiste em me ignorar? –
perguntou tentando manter a calma
– E por que você insiste em me perturbar? –
respondeu a senhora calmamente
– Custa assim me dar bom dia?
– Eu lhe dei um emprego, e agora vem me dar
sermões?
– Esperava um pouco mais de simpatia. Mas bem
que falaram a verdade no vilarejo, a senhora é uma metida!
Espantada e sem resposta a única
solução foi passar a dar um sorriso sem graça cada vez que a visse. Apesar de
um pouco temerosos, vendo o novo hábito de sua patroa, todos os empregados
passaram a dar os mais espalhafatosos cumprimentos toda vez que a vissem.
Aos poucos madame Zelic foi
amolecendo. Numa tarde qualquer passou quase meia hora conversando com uma das
arrumadeiras sobre seu pavor a aranhas. Em uma noite foi com seu jardineiro até
o hospital para ver seu filho nascendo.
– ‘Tou gostando de ver – disse a moça enquanto
servia chá à madame – a senhora está tão mudada que nem parece que nasceu rica.
– Por favor, não me obrigue a deixar de ser
simpática.
– Tem coisas que não mudam, não é?
– Se tem uma coisa que a vida vai lhe ensinar
mocinha, é que nenhuma mudança ocorre inteiramente. Agora pode terminar de me
servir o lanche, antes que fique frio.
Mas a moça só riu, sabia que por
mais duras que ainda fossem suas palavras, madame Zelic nunca mais seria a
mesma.