terça-feira, 19 de janeiro de 2016

O Curioso destino de Madame Zelic

    Acabei de fazer o primeiro conto do ano, mal posso acreditar. Acho que esse ano será cheio de criações
          

  Madame Zelic era uma senhora elegante que vivia em um belo casarão, afastada do mundo. Proibia que qualquer coisa que fosse “indecente” passasse por suas portas. Com ela vivia sua equipe de empregados: volantes, camareiras, cozinheiras, tudo que ela precisasse para não trabalhar nada. Aos fins de semana e durante as férias, seus filhos iam lhe visitar e deixavam suas crianças (os cinco netos de madame Zelic). Fazia quinze anos que morava sem ninguém da família. Ia à igreja todo domingo e doava dinheiro ao orfanato mais próximo.
            Foi numa ensolarada tarde de quinta feira (durante sua caminhada semanal) que veio em sua direção uma moça correndo. Era baixa e gorducha, suas roupas estavam rasgadas, as unhas do pé grandes e sujas de terra, faltavam lhe também uns dois ou três dentes.
 – Madame – começou ofegante – falaram pra mim que senhora tá precisando de uma pessoa pra ajudar na cozinhas.
 – Ora – replicou a senhora fazendo uma careta – há de haver um engano. Não vejo necessidade alguma de novas empregadas. Se me dá licença, vou seguindo com minha caminhadas.
            Tentou seguir novamente seu caminho, mas novamente a moça voltou a lhe seguir
 – Mas Dona – ela falou ansiosa – eu ‘tou precisando muito. Meu filho e eu não tem o que comer mais, ‘tou sem emprego há meses, meu marido me largou, me chamou de vagabunda.
            Impaciente, Madame Zelic andou mais depressa.
 – Por favor, me escuta – a moça suplicou, com lágrimas nos olhos – sei que a senhora ‘credita em Deus, imagina só, o que ele vai achar da senhora não ajudar quem precisa.
            Na segunda feira a moça e seu filho se mudaram para a bela propriedade que pertencia aos Zelic já há muitos anos.
            A madame seguiu muitos dias sem responder aos humildes “bom dia” de sua nova empregada. “Já lhe dei o emprego depois de sua descarada chantagem e agora ainda espera sorrisos e trocas de simpatia”, pensava. Até que um dia a moça se enraiveceu.
 – Por que a senhora insiste em me ignorar? – perguntou tentando manter a calma
 – E por que você insiste em me perturbar? – respondeu a senhora calmamente
 – Custa assim me dar bom dia?
 – Eu lhe dei um emprego, e agora vem me dar sermões?
 – Esperava um pouco mais de simpatia. Mas bem que falaram a verdade no vilarejo, a senhora é uma metida!
            Espantada e sem resposta a única solução foi passar a dar um sorriso sem graça cada vez que a visse. Apesar de um pouco temerosos, vendo o novo hábito de sua patroa, todos os empregados passaram a dar os mais espalhafatosos cumprimentos toda vez que a vissem.
            Aos poucos madame Zelic foi amolecendo. Numa tarde qualquer passou quase meia hora conversando com uma das arrumadeiras sobre seu pavor a aranhas. Em uma noite foi com seu jardineiro até o hospital para ver seu filho nascendo.
 – ‘Tou gostando de ver – disse a moça enquanto servia chá à madame – a senhora está tão mudada que nem parece que nasceu rica.
 – Por favor, não me obrigue a deixar de ser simpática.
 – Tem coisas que não mudam, não é?
 – Se tem uma coisa que a vida vai lhe ensinar mocinha, é que nenhuma mudança ocorre inteiramente. Agora pode terminar de me servir o lanche, antes que fique frio.
            Mas a moça só riu, sabia que por mais duras que ainda fossem suas palavras, madame Zelic nunca mais seria a mesma.


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Quem sou eu

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Dragão segundo o horóscopo chinês. Nascida no Rio, mas criada em Petrópolis (ainda bem). Além de querer ser professora, sonha em fazer muitas (MUITAS) coisas. Mas enquanto o dia não tem 72 horas, milita por um mundo melhor, escreve, tenta desenhar e bebe mate. Acredita plenamente no poder transformador do palco, dos animais e da educação.